Hoje,
entre
a tecnologia e seres humanos, começa a instaurar-se uma simbiose
pela qual uma influencia os
outros:
a tecnologia que modifica o indivíduo (e consequentemente o seu
estado físico e mental) e o indivíduo que, por sua vez, modifica a
tecnologia. As modificações do estado físico e mental, induzidas
pela técnica informática (hoje) e pela bio-engenharia (amanhã),
provocam uma modificação da espécie que se adequa ao ambiente,
modificado-a.
Essa
nova espécie, por sua vez, induz ulteriores modificações ao
ambiente. Geralmente, se trata de um processo muito
longo
mas agora não é mais assim.
As
novidades tecnológicas se alternam a um rítmo vertiginoso. A reação
entre os seres humanos, a cultura e a sociedade é, às vezes, muito
lenta e se torna sempre mais difícil controlar e acompanhar as
mudanças.
O
desenvolvimento tecnológico, o proliferar incontrolado da informação
etc não são temas
muito
simples para um pobre sapiens
mortal.
Mas, por outro lado, são argumentos importantes sobre os quais
precisa-se refletir, se quisermos entender como será o futuro.
“Desde
a Revolução Industrial que a sociedade não assistia tempos tão
revolucionários, como as inovações na saúde, por exemplo, que nos
prometem aproximar quase à vida eterna; as evoluções da internet,
que nos acenam uma independência laboral e um caminho para o fim da
pobreza; ou as novas formas de empreendedorismo, mais socialmente
responsáveis.
As
mudanças serão cada vez mais rápidas
Depois
de inventar a roda, a humanidade demorou mais de cinco mil anos para
aprender a voar. Mas entre a primeira descolagem de um avião e a
aterragem na Lua, decorreram apenas 66 anos.
O
primeiro iPhone surgiu em 2007. Os satélites do sistema GPS
só ficaram em órbita em 1995; 20 anos depois, entre apps e
equipamentos de navegação, a maior parte das pessoas tem um
computador a dar-lhe indicações com a ajuda de satélites.
Hoje,
quase não conseguimos lembrar da vida pré-Wikipédia, Skype,
Facebook, YouTube, iPhone e iPad apesar de todos estes sites e
produtos terem nascido depois do ano 2000.
Sabemos
que tempo está fazendo lá fora, simplesmente consultando um
computador que cabe na palma da mão, antes mesmo de abrir a janela;
fazemos telefonemas olhando para o nosso interlocutor; avistamos
drones a filmar-nos lá do alto e encolhemos os ombros; cruzamo-nos
com carros elétricos nas estradas. E lemos as notícias de um novo
gadget ou salto tecnológico com a ligeireza de quem espreita o menu
num restaurante.
Armazenamento
em "nuvem"? Smartwatches? Impressoras 3D? Carros que
se conduzem sozinhos, auto-móveis na total acepção da
palavra? Nada nos surpreende. A ficção científica deixou de
existir e se confunde com a realidade. A tecnologia e as mudanças
velozes na sociedade, são mais férteis e voam mais rápidas que a
nossa imaginação.
A
Vida já está se alongando de modo incrível
Durante
o século XX, a expectativa média de vida nos países desenvolvidos
cresceu 30 anos. Claro que uma boa parte deste aumento é atribuível
à redução da mortalidade infantil, já em níveis próximos de
zero, pelo que ninguém espera um novo incremento de 30 anos de vida
até ao fim do século XXI. Mas uma série de avanços nas ciências
médicas prometem nos fazer beber as gotas da fonte da juventude:
terapia personalizada e direcionada, baseada na informação genética
de cada um, nanomedicina, que permite atingir partes quase
inacessíveis do corpo e aplicar a medicação no ponto exato em que
é necessária, cirurgia robótica, mais precisa do que a mão
humana, reprogramação celular, para reverter os efeitos do
envelhecimento das células, cultura de órgãos a partir de células
estaminais. Existe uma esperança média de vida superior a 105 anos
já nos pròximos 50-100 anos, e isto sem levar em conta qualquer
nova revolução científica que trave o envelhecimento das células.
Há cientistas que acreditam que a primeira pessoa a atingir os 150
anos já nasceu (até agora, o recorde é de 122 anos). O mundo em
desenvolvimento deverá ver a sua expectativa de vida aumentar ainda
mais, proporcionalmente, face à melhoria de condições básicas
(como acesso à água potável) e controlo ou erradicação de
doenças como a malária.
O
trabalho será mais independente e mais global
Paradoxalmente,
a modernidade propiciou-nos um regresso ao passado: aos tempos em que
um homem vendia ao seu vizinho o que ele próprio cultivava ou
manufaturava.
A
grande diferença é que hoje somos todos vizinhos. Num mundo
globalizado a uma escala nunca antes concebida, cada vez mais pessoas
fundam uma microempresa com janela para os cinco continentes, seja
como principal meio de sustento seja como complemento aos rendimentos
oficiais. A internet tornou-nos potenciais produtores, com clientes à
distância de um clique. Ou de um "gosto": com o auxílio
imprescindível das redes sociais, milhares de pessoas transformaram
num negócio uma qualquer especialidade que antes não passava de um
passatempo.
Tenho
jeito para fazer doces? Crio uma página no Facebook e vendo-os. Sei
desenhar e sou criativo? Invento logótipos para empresas daqui até
à China. A explosão da economia de partilha potenciou e simplificou
ainda mais esta realidade. Tenho um carro? Torno-me motorista da Uber
e ganho dinheiro transportando gente de A a B. Há um quarto vago na
minha casa? Disponibilizo-o no Airbnb a turistas.
A
inexistência de fronteiras virtuais faz de cada um de nós inventor,
produtor e vendedor, sem necessidade de intermediários nem uma rede
de distribuição clássica. E isto é só o princípio. Não só
esta crescente independência tende a reforçar-se como uma das
últimas e mais revolucionárias inovações dos últimos anos, mas
fará com que este novo tipo de trabalho se torne menos manual, mais
automatizado.
Impressoras
3D, as
máquinas que irão simplificar a vida
Aparentemente,
não passam de mais um gadget. Um brinquedo caro. Mas, na
verdade, estas máquinas têm a capacidade de mudar o mundo da
produção industrial.
As
impressoras 3D, que funcionam através da aplicação de camadas de
material maleável a altas temperaturas (normalmente plástico, que
endurece ao arrefecer), prometem transformar cada casa numa
microfábrica. Por agora, os equipamentos são dispendiosos (a
impressora mais pequena e simples custa 500 euros), e o processo de
aplicação é moroso. Será, no entanto, uma questão de tempo até
a massificação fazer baixar o preço das máquinas e a tecnologia
afinar e acelerar o seu funcionamento. A partir daí, qualquer pessoa
pode dar corpo às suas criações: peças de design, brinquedos,
sapatos, objetos de uso comum, modelos arquitetónicos, próteses. Do
ponto de vista macroeconômico, a existência de milhões de
impressoras pessoais, ou de milhares de impressoras industriais,
mudará o paradigma atual de fabrico, assente no outsorcing de
mão de obra barata de países como a China e a Índia, fazendo
regressar a produção à Europa e aos EUA, onde está a procura.
Ao
nível das grandes empresas, essa alteração não acarretará um
aumento de postos de trabalho no Ocidente, apesar de lhe aumentar a
competitividade apenas trocará um trabalhador de um país em
desenvolvimento por um robot num Estado desenvolvido. E ainda levará
a um novo patamar da pirataria: um relatório do Gartner Group
estima que as perdas resultantes de violação de propriedade
intelectual provocada pela popularização das impressoras 3D,
atingirão os 90 bilhões de euros. daqui a três anos.
Mas
esta será também uma explosão de oportunidades para criadores, que
têm aqui uma arma para atacar o mercado, beneficiando-se das
circunstâncias.
Todos
seremos interconectados, criando um mercado global
A
internet é a via rápida para o fim da pobreza. Dito assim, soa no
mínimo simplista. Mas é esse o caminho que Mark Zuckerberg
propõe: pôr todas pessoas online como primeiro
passo para criar riqueza.
Não
parece grande feito para quem vive na Europa, onde 80% da população
está ligada à rede. Olhando mais além, porém, percebemos que
apenas um terço da Humanidade tem acesso à internet.
O
plano do fundador do Facebook passa por uma parceria com alguns dos
gigantes mundiais das telecomunicações móveis para levar internet
barata, ou mesmo gratuita, às regiões menos desenvolvidas, com
particular ênfase na promoção e no desenvolvimento de planos de
pequenos negócios. Não é coisa pouca: um estudo da Deloitte
estima que a massificação da internet no mundo em desenvolvimento
pode criar 140 milhões de postos de trabalho. A globalização será
total. É a democratização completa do mercado: a criação do
próprio emprego será cada vez mais a regra e, no limite, ninguém
depende de terceiros, de multinacionais, a controlar todo o processo
de criação e fabrico de produtos. A absoluta massificação da
internet ajudará a reduzir o número de pobres para metade, até
2030, e será o motor de crescimento da classe média, que nos
próximos 15 anos deverá crescer do atual um bilhão
de pessoas para dois ou mesmo três bilhões. Uma evolução que
deverá acarretar sérias consequências políticas e de equilíbrio
global. A China, que se espera vir a ter 75% da sua população nesta
faixa económica, pode "sofrer" enormes pressões
democráticas; muitos analistas consideram que 12 mil dólares de PIB
per capita são o ponto de não retorno a um sistema ditatorial,
sendo que a China está neste momento nos sete mil dólares (em
Portugal, é 22 mil). Mas a internet e as tecnologias são também
uma ameaça à democracia, já que está neste mesmo mundo
interconectado...
Aumento
da vigilância dos cidadãos sobre governos e empresas
Quando
Edward Snowden, ex-analista da CIA, começou a divulgar os
hábitos e as estratégias das agências de espionagem americanas, a
suspeita transformou-se em certeza: nem tudo o que fazemos na
internet fica na internet. Entre programas informáticos que
funcionam como "portas traseiras", por onde os espiões de
vários governos entram e recolhem informação de milhares, ou
milhões, de cidadãos, e ordens oficiais e oficiosas de entrega de
informação por parte de gigantes como o Google, o Facebook e a
Apple, tudo o que fazemos é passível de ser monitorizado. E a
maioria da população parece resignada. Após o choque e indignação
iniciais, as constantes novas revelações de Snowden pouco
brado provocam.
Damos
por adquirida a inevitabilidade de um Estado orwelliano.
Encaramo-lo como um justo preço a pagar pela segurança, pelo ainda
mais alto valor da vida. Impressionados e amedrontados pelas imagens
de decapitações e outras barbáries vindas do Estado Islâmico e
seus derivados, abdicaremos voluntariamente de muitas liberdades
fundamentais e sacrificaremos a nossa privacidade.
Com
a justificação de prevenir o terrorismo, o aumento da vigilância e
controlo sobre as sociedades será crescentemente pacífico entre os
povos. Esta é, no entanto, uma faca sem cabo: os criminosos também
têm acesso à rede, e portanto...
As
ameaças terroristas passarão para o mundo cibernético
Quanto
mais importante e central for a internet na sociedade moderna, quanto
mais real for o mundo virtual, mais vulneráveis seremos a ataques
cibernéticos e mais destrutivo se revelará cada um desses
atentados. Como que a juntar miséria à pobreza, a origem do
ciberterrorismo é difícil de detectar e as suas consequências
devastadoras, face à relativa facilidade de implementação, são
armas baratas, que estão ao alcance de pequenos Estados e até
grupos ou indivíduos. Uma das provas mais contundentes aconteceu na
Estónia em 2007: na sequência de uma polêmica com a Rússia sobre
uma estátua estalinista, o país foi alvo de uma série de
ciberataques que na prática cortaram o acesso da população à
internet durante três semanas.
A
automatização dos sistemas, potenciada pela evolução da
inteligência artificial e consequente ausência de elementos
humanos, torna ainda mais catastrófico este novo tipo de crime. A
chantagem é outra tática que já mostrou resultados: o filme A
Entrevista viu a sua exibição a larga escala cancelada pela
Sony, após hackers terem roubado emails
comprometedores da administração da empresa e exigido a suspensão
da película, que ficciona o assassinato do líder norte-coreano.
Naquele caso, era apenas uma comédia de gosto discutível, ainda que
tenha posto em causa a liberdade de expressão. Mas isto é só o
início, até porque a vida e a economia estarão cada vez mais
dependentes da internet.
Com
as transações na internet a crescerem desenfreadamente há três
anos, as compras online globais ultrapassaram, pela primeira vez, o
mítico bilhão de dólares; era uma questão de tempo até o próprio
dinheiro ser virtual. E ele aí está. Hoje, há cerca de 15 moedas
não reguladas por nenhum Estado, sendo a bitcoin a estrela
entre elas: estima-se que mais de cem mil empresas já a aceitem como
forma de pagamento, incluindo gigantes como a Microsoft (isto
apesar da volatilidade da moeda: de 210 euros, em poucos meses,
desceu aos 50 e subiu aos mil euros). As crises econômicas,
nomeadamente a europeia, têm contribuído para uma parte deste
sucesso.
Mas
não explica tudo. Na realidade, com a profusão de empresas
unipessoais, impulsionadas pela internet, tudo aponta para que moedas
como esta explodam em popularidade. Afinal, o dinheiro não tem valor
intrínseco vale apenas como meio de troca para serviços e objetos
com utilidade. Se duas pessoas acordarem, até grãos de areia podem
ser moeda. Quase desvaloriza a noção de dinheiro.
O
lucro vai deixar de ser o único objetivo das empresas.
A
sustentabilidade é um novo fator de competitividade.
Foi-se
o tempo em que a maximização das receitas e minimização das
despesas eram as únicas coisas que importavam. Hoje, as preocupações
ambientais e sociais são parte crucial dos planos estratégicos de
qualquer empresa moderna. E não nos referimos a greenwashing
(marketing puro, sem substância a acompanhá-lo). Uma companhia do
século XXI prova ter visão de longo prazo quanto mais socialmente
responsável se mostrar ou seja, ter uma pegada positiva na sociedade
e na natureza, prova a sua própria sustentabilidade econômica
e financeira.
Esta
abordagem, além de ser um fator diferenciador, de competitividade,
aos olhos do consumidor, permite-lhe atrair os melhores talentos,
reduzir despesas através da racionalização da energia, da água e
da matéria-prima, aumentar a produtividade dos trabalhadores,
beneficiar de sistemas fiscais mais amigáveis e até de conseguir
melhor crédito bancário; há uma crescente tendência de os bancos
incluírem a responsabilidade social nos fatores que ajudam a
calcular a taxa de juro dos empréstimos. E ainda bem que o mundo
empresarial está mudando.