Pensar que o Oscar
de melhor filme deveria ir para o melhor filme
seria pelo menos redutivo. Mas para colocar as mãos na estatueta,
vale tudo: anúncios pagos elogiando o filme, eventos e DVDs para os
membros da Academia, desfile por uma famosa avenida de Los Angeles
com uma vaca e muito mais.
Para começar, na
realidade ninguém sabe dizer o que faz com que um filme candidato ao
oscar seja o melhor: é difícil duas pessoas chegarem a um acordo,
muito menos quando se trata de oito mil (o número de pessoas que
votam para o Oscar).
O certo é que um
Oscar - além de fama e glória - traz vários benefícios econômicos
e de imagem a quem ganha. Então, quem está por trás de um filme
indicado ao Oscar, em particular para um Oscar de Melhor Filme, faz
uma intensa atividade promocional para ganhar o prêmio. Em teoria,
tem que convencer alguns milhares de profissionais do cinema de que
seu filme é melhor que os outros. Na prática, porém, é um
trabalho longo, complicado e caro.
A
Estréia da Netflix
Este ano se falou
muito da campanha de Netflix para tentar levar o filme Roma
- do mexicano Alfonso Cuarón - a obter o Oscar de melhor
filme: se ganhasse, seria o primeiro filme estrangeiro a obter o
Oscar, além de ser o primeiro da Netflix.
A condição
necessária para tentar ganhar um Oscar é ter um filme de certo tipo
e de um certo nível. Roma é um filme em preto e branco, em
espanhol, que conta uma história pessoal, mas também um pouco de
política, com muitos atores não profissionais e uma protagonista
mulher e não-branca: todas as caracteristicas que fazem de Roma
um filme particular, talvez até não-convencional demais para poder
ganhar o Oscar. Mas o filme foi criado, escrito, dirigido por Alfonso
Cuarón: um cineasta muito popular, que já ganhou alguns Oscars,
graças à Gravity.
Depois de apresentar
Roma a festivais - por exemplo, em Veneza, onde ganhou o Leão
de Ouro - e tê-lo mostrado em cinemas (assim ditam as regras do
Oscar), Netflix percebeu que poderia ter grandes chances como
pretendente ao Oscar mais importante, e, portanto, decidiu investir
pesado.
«Para
sua consideração» - estratégias de marketing
Em 30 de novembro de
2000, a DreamWorks fez uma sessão exclusiva do Gladiador,
seguida de um “Q & A” (entrevista) com o diretor Ridley
Scott, no mesmo teatro onde rola o Oscar. Em teoria, era para
promover o lançamento do DVD do filme, mas vários convidados eram
membros da Ampas (a Academia de Artes e Ciências
Cinematográficas de Hollywood). Gladiador levou o prêmio máximo e
desde então as Q & As viraram peças-chave nas campanhas.
Promover um filme
para espectadores comuns é fácil mas convencer um pequeno nicho de
pessoas que votam no Oscar é outra coisa. Precisa fazer publicidade
mirada em revistas especializadas como a Variety ou o
Hollywood Reporter. Para aqueles que lêem essas revistas
muitas vezes acontece de ver publicidades que diz "For
Your Consideration" ( "A’ sua atenção").
Servem para dizer aos membros daquele pequeno círculo de pessoas que
fazem parte da Academy, e votam no Oscar, de considerarem aquele
filme, vê-lo e, possivelmente, votar nele.
Além de publicidade
em papel, há aquelas em outdoor. Netflix possui vários cartazes da
Sunset Strip de Hollywood, e Los Angeles e nos
últimos meses usou quase todos eles para fazer propaganda de Roma.
Lobbying
– Vale tudo!
No entanto, a
publicidade tradicional por si só não é suficiente. Para promover
um filme para o Oscar é como uma campanha eleitoral: é preciso
"criar uma narrativa", "contar uma história",
"transmitir uma mensagem". Se possivel, deve fazer também
com que histórias, mensagens e "narrativas" dos filmes
oponentes sejam o menos interessante possível. Para fazer isso é
preciso fazer relações públicas - organizar eventos, jantares,
festas, exibições, de preferência com a participação de
cineastas e atores - e, dentro dos limites permitidos, mimar os
eleitores com presentes e atenções de vários tipos.
Se não for
suficiente, espalhar boatos sobre seus rivais! Em 2009, um produtor
de Quem Quer Ser um Milionário? teve que vir a público
desmentir que havia explorado mão-de-obra infantil durante as
filmagens.
Netflix
entra em jogo
Roma é o
primeiro filme da Netflix a ser indicado ao Oscar de melhor
filme. E Netflix - que alguns cineastas e crítico ainda esnobam por
fazer concorrencia ao cinema tradicional - está muito interessada em
ganhar esse Oscar para mostrar que agora joga no campeonato
principal, e pode, além do mais, também ganhar. Além disso, seria
uma maneira de vingar-se daqueles cinemas que decidiram não mostrar
Roma em suas salas, sabendo que logo depois estaria disponível
online.
De modo mais geral,
vencendo o Oscar de Melhor Filme, para Netflix iria se ativar
um círculo virtuoso: ganhar prestígio, aumentar assinantes e
convencer cada vez mais os cineastas, atores e atrizes do mais alto
nível para trabalhar em seus filmes. Três ou quatro anos atrás,
parecia que "fazer um filme com Netflix" e "fazer
um filme para ganhar o Oscar" eram duas coisas quase
antitéticas. Se Netflix ganhar o Oscar de Melhor Filme - e
ainda mais com um filme estranho, de nicho e que espelha a
personalidade do proprio autor - realmente mudaria a forma como ela é
percebida na indústria.
Qual
a estratégia da Netflix?
No verão de 2018
contratou Lisa Taback, considerada a melhor orquestradora de
campanhas para a conquista de um prêmio Oscar.
Taback tem 55
anos e em sua carreira conseguiu o Oscar para cinco filmes:
Shakespeare in Love, Chicago, O Artista,
Discurso do Rei e Caso Spotlight, e colaborou por
muitos anos com a Miramax, a produtora fundada pelos irmãos
Weinstein, que foi considerado um fenômeno quando se tratava de
ganhar o Oscar para seus filmes (por exemplo, ao medíocre
Shakespeare in love, que bateu o super favorito "O
Resgate do Soldado Ryan"). O filme
protagonizado por Gwyneth Paltrow e Joseph Fiennes
superou, contra todas as expetativas, “O Resgate do Soldado Ryan”,
de Steven Spielberg, naquela que é considerada “a grande
surpresa (ou injustiça) da história dos Óscares”.
Taback lidera
uma equipe de cerca vinte pessoas que trabalham em atividades
destinadas quase exclusivamente à vitoria dos prêmios, e dizem que,
para os Oscars tenha recebido um budget de pelo menos US$ 25 milhões;
cerca de duas vezes o custo de Roma. Como o New York Times
escreveu, alguns falam de Taback como sendo "brilhante",
e outros a chamam de "implacável".
O
que Taback faz, na prática
Organizar eventos, é
obvio, e com todo aquele dinheiro é relativamente simples. Mas
talvez você não saiba que, para tentar ganhar um Oscar em fevereiro
de 2019, já
em agosto de 2018, Taback convidou alguns grandes nomes
e cineastas de Hollywood para um "cocktail party", durante
o qual algumas cenas de Roma foram exibidas. Taback também
decidiu mandar para centenas de pessoas uma estratégica caixa de
chocolates temáticos (mexicanos, com as palavras "!FELICES
FIESTAS!") e um livro de mais de dois quilos, no valor de US$
175, com fotografias do filme.
Do trabalho de
Taback se poderia dizer que é um daqueles em que menos se
fala dela mesma, melhor é. O ideal, do seu ponto de vista, é que se
fale muito sobre o filme e pouco sobre ela, ou sobre todas as coisas
que ela faz para se certificar de que se fala sobre o filme.
Por outro lado,
todos os candidatos ao Oscar de melhor filme fazem algum tipo de
campanha. Há também aqueles que dizem que sem uma campanha,
independentemente da qualidade do filme, um filme não consegueria
sequer estar entre os indicados ao Oscar. Em particular, neste ano,
em que parece não haver um grande favorito, quase todos os filmes
têm a chance de ganhar e fazem campanha, cada um tentando convencer
os jurados e explicar por que seria ótimo se seu filme ganhasse o
Oscar. No entanto, existem regras a serem seguidas: no caso do Oscar
em 2019, existem nove páginas de regras muito específicas (que
proíbem, por exemplo, chamar membros da Academia para promover seu
próprio filme).
Alguns artistas já
tentaram, no passado, fazer campanha, digamos, muito bizarras. Para
promover Império dos Sonhos, em 2006, o cineasta David
Lynch desfilou por uma famosa avenida de Los Angeles com uma vaca
(!). O filme nada tinha a ver com os bovinos. Já James Franco
gravou um vídeo cômico em 2011 com sua vovó xingando todo mundo
que achou a cena da amputação em 127 Horas forte demais. E
ele foi mesmo indicado!
Que
Ganhe o melhor
Ninguém acha que um
diretor especialista em fotografia ou uma talentosa atriz votem de
certa forma por ter visto dois cartazes ou porque gostou dos
chocolatinhos. E nem sequer é suficiente gastar dezenas de milhões
de dólares para promover um filme, pra ganhar o Oscar: há dois
anos, a Amazon concentrou-se muito em Manchester by the Sea e
dizem que alguns anos antes foi investido muito dinheiro na The
Social Network: os dois perderam. Ao mesmo tempo, se fosse
inútil, a Netflix certamente teria usado essas dezenas de milhões
de euros de outras formas. Tudo faz a mesma sopa.
Fonte;
https://www.ilpost.it/