Poucas perguntas atravessaram
tantas épocas, culturas e disciplinas quanto esta. Ela parece
simples, quase poética — mas esconde uma das maiores tensões do
pensamento humano: o que vem primeiro, a matéria ou a experiência?
Durante séculos, essa questão foi tratada como um problema
filosófico. Hoje, ela também é científica, espiritual e
existencial.
O ponto de vista
do materialismo científico
A ciência moderna
nasceu com uma aposta clara: o universo existe independentemente de
nós. Galáxias, átomos e leis físicas estariam lá mesmo que
nenhum observador estivesse presente.
Dentro dessa visão,
chamada de materialismo, a consciência surge como um subproduto
tardio da evolução: primeiro vieram partículas, depois átomos,
moléculas, vida, cérebros e, por fim, a experiência
consciente.
Aqui, a mente é entendida como algo que
emerge da matéria, assim como a chama emerge da combustão. Quando o
cérebro se organiza de forma suficientemente complexa, a consciência
aparece.
Essa abordagem trouxe avanços extraordinários:
medicina, tecnologia, neurociência. No entanto, ela enfrenta um
problema persistente, conhecido como o “problema difícil da
consciência”:
Como processos físicos objetivos geram experiências subjetivas?
Essa pergunta é tão perturbadora que ganhou um nome próprio na filosofia da mente: o problema difícil da consciência, formulado por David Chalmers.
A ciência consegue explicar muita coisa sobre o cérebro: como neurônios disparam, como circuitos processam informações, como áreas cerebrais se ativam durante emoções, Mas há um salto inexplicado: como processos físicos objetivos geram experiências subjetivas, como dor, amor, cor ou sentido? Até hoje, nenhuma equação descreve o que é o sentir.
Como algo sem experiência (átomos, elétrons) pode gerar algo que se sente? Nenhuma combinação de coisas que não sentem parece logicamente capaz de produzir sensação. É como tentar extrair melodia juntando apenas partituras silenciosas.
O
abismo entre descrição e experiência
Imagine
um cientista observando seu cérebro enquanto você sente dor. Ele
pode medir: impulsos elétricos, liberação de neurotransmissores,
padrões de ativação neural, Mas nada nesses dados contém a dor em
si. A dor não é elétrica, não é química, não é mensurável.
Ela é vivida.
Filósofos chamam essas qualidades subjetivas
de qualia: o “como é” sentir algo, aquilo que só
existe do ponto de vista de quem vive.
E esse é o ponto
crítico: não existe, em nenhum mapa do cérebro, o vermelho do
vermelho, o amargo do amargo, o amor do amor.
A ciência
descreve correlações, não origens da experiência.
Quando
a filosofia levanta a sobrancelha
A filosofia
ocidental nunca aceitou o materialismo de forma tão pacífica quanto
a ciência moderna.
Platão já desconfiava de que o
mundo sensível era apenas uma sombra de uma realidade mais profunda.
Para ele, a essência das coisas não estava na matéria, mas nas
ideias.
Séculos depois, Descartes separou
radicalmente a mente e a matéria, criando o famoso dualismo:
res
cogitans (coisa pensante) e res extensa (coisa
material).
Mas foi no idealismo que a pergunta ganhou força
máxima. George Berkeley afirmou algo radical:
“Ser
é ser percebido.”
Para ele, o universo não poderia
existir sem uma mente que o percebesse — e essa mente última seria
Deus. Para Berkeley, não faz sentido falar de um objeto
existindo por si só, fora de qualquer mente. Quando você diz “uma
árvore existe”: você quer dizer que ela é vista, tocada,
cheirada, ou pensada. Mas tudo isso ocorre na experiência
consciente.
Então ele pergunta:
O que sobra da árvore
se retirarmos toda possibilidade de percepção? Cor, forma,
textura, som — tudo desaparece. Resta apenas um conceito abstrato,
nunca experimentado.
Mais tarde, Kant sugeriu que não
conhecemos o mundo “como ele é”, mas apenas como ele aparece à
consciência, filtrado por categorias mentais como espaço e tempo.
Ou seja: o universo que experimentamos já nasce moldado pela
mente.
As tradições
espirituais entram na conversa
Enquanto o
Ocidente debatia matéria versus mente, tradições orientais seguiam
outro caminho.
No hinduísmo e no budismo, a consciência não é
um efeito colateral do cosmos — ela é o fundamento. O universo
surge como manifestação, ilusão ou expressão dessa consciência
primordial.
No Advaita Vedanta, por exemplo, a realidade
última é Brahman, consciência infinita. O mundo material
seria uma aparência dentro dela. Curiosamente, essas tradições não
tratam a consciência como algo pessoal, mas como um campo universal,
do qual os indivíduos são expressões temporárias.
E
se a pergunta estiver invertida?
A ciência
pergunta: Como a matéria produz a consciência?
Mas
talvez a pergunta mais profunda seria: Como a consciência produz
a experiência de matéria? Essa inversão não nega a ciência;
apenas mostra seu limite inevitável, questiona seu fundamento
ontológico - (a
reflexão sobre a essência da existência, indo além da mera
aparência ou das características físicas para entender o que faz
algo ser o que é).
Alguns
físicos e filósofos contemporâneos começaram a flertar com essa
ideia. Não porque tenham “provado” algo místico, mas porque
perceberam um fato estranho: Toda medição científica ocorre dentro
da consciência. Ela não é um detalhe externo ao método
científico. Ela é o meio onde o método acontece.
Nunca acessamos o
universo diretamente, mas apenas através de experiências dele. Você
vê uma maçã mas não acessa a maçã “em si”. O que chega até
você são: fótons refletidos, sinais elétricos na retina, impulsos
neurais no cérebro.
E o que você experiencia é: uma cor
vermelha, uma forma arredondada, uma textura imaginada, um sabor
antecipado. Tudo isso acontece na experiência consciente.
Você nunca toca a maçã “fora da experiência”.
Portanto, o universo conhecido é, inevitavelmente, um universo vivenciado. Um diálogo, não uma guerra.
Cada medição, cada teoria, cada
equação e cada imagem do cosmos — do átomo às galáxias —
acontece como experiência. Nunca tocamos a realidade “em si”.
Tocamos sempre a vivência da realidade. O universo conhecido não
é um território neutro e externo, mas um fenômeno que se
apresenta, momento a momento, a um observador consciente.
Talvez
a consciência seja, ao mesmo tempo moldada pelo universo e o meio
pelo qual o universo se revela. Como duas faces da mesma moeda.
É
por isso que o problema da consciência resiste. Tentamos explicá-la
como se fosse um personagem dentro do filme, esquecendo que ela pode
ser a tela onde o filme acontece. Procuramos o observador dentro do
espelho, quando talvez ele esteja diante dele. Questionamos como a
matéria gera experiência, sem antes perguntar se a experiência não
seja a condição para que algo como “matéria” seja sequer
concebido.
Talvez nunca tenhamos uma resposta definitiva. Mas
talvez a pergunta exista justamente para isso:
Não para ser
resolvida, mas para nos despertar.
E talvez o papel mais profundo da ciência, da filosofia e da espiritualidade não seja encerrar essa questão — mas mantê-la viva. Porque é nessa pergunta aberta, sem resposta final, que algo essencial em nós desperta.
Talvez a
consciência não seja algo que o universo produz. Talvez o universo
seja algo que a consciência experiencia.
Se isso for verdade,
então a pergunta muda completamente:
Não é “onde a
consciência está no universo?”, mas “onde o universo está na
consciência?”
Mas onde está o EU que SOU? - Cap. 20
Entre o
Universo-Deus e TODOS os demais seres, não existe separação –
Cap. XII
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