O dualismo
corpo-mente, modelo ainda hoje amplamente adotado em várias áreas
de conhecimento, é o pano de fundo das nossas preocupações.
Descartes se perguntou como seria possível que o mundo fosse
representado pela ciência como algo que obedece a leis definitivas,
enquanto o espírito humano escapava das leis da física, uma vez que
temos o livre arbítrio. A divisão cartesiana dos seres humanos em
duas partes distintas – um corpo sujeito às leis da física e uma
mente alheia a elas – legou para a filosofia as considerações
centrais da filosofia da mente.
A principal questão
dessa filosofia é explicar a mente no âmbito da ciência natural,
especificamente da física. Este viés cartesiano influenciou vários
traços da cultura ocidental e das humanidades. Mais recentemente,
essas ideias influenciaram a psicologia e a ciência cognitiva, que
tem o dualismo corpo-mente como principal pressuposto.
O desenvolvimento de
dispositivos computacionais digitais e eletrônicos renovou o
interesse em conciliar os pressupostos filosóficos da mente. O
computador é uma máquina que pode reproduzir algumas funções
intelectuais humanas, como efetuar cálculos. Essa descoberta
inspirou a ideia de que o problema de Descartes poderia ser
finalmente resolvido. Com base em uma teoria funcionalista e
promovida pelos desenvolvimentos da Inteligência Artificial (IA), estudos da filosofia da mente
julgaram que, em computadores, o material e o mental funcionam
juntos, sem nenhuma substância imaterial, como alma, mente ou um
fantasma dentro da máquina. Assim, se pudéssemos entender como um
computador pode imitar as funções intelectuais humanas – tomadas
como racionais e inteligentes – também poderíamos entender como o
funcionamento mecânico do cérebro pode provocar operações
mentais. Deste modo, a mente poderia ser entendida em termos de
características corporais, e então o problema de conciliar suas
propriedades com as leis da física seria resolvido
A tentativa de
entender o funcionamento da mente a partir do funcionamento dos
computadores, permitiu sugerir que a mente fosse semelhante a um
computador que poderia ser descrito como a execução de um software.
Essa ideia foi adotada por uma abordagem de psicologia conhecida como
“ciência cognitiva”. O teste de Turing – criado
por Alan Turing em
1950 - fomentou a ideia de que os computadores poderiam
ser equivalentes às mentes. A principal premissa do teste é a de
que os computadores serão desenvolvidos até serem capazes de ter os
mesmos desempenhos que os humanos. Mas a única maneira de concordar
com essa crença é não objetar os princípios desta
“possibilidade”.
O diretor de
Engenharia do Google, Ray Kurzweil, compara a revolução
tecnológica que está por vir nas próximas décadas com o salto
evolutivo que levaria à diferenciação entre os primatas e o ser
humano, há mais de dois milhões de anos. Segundo ele, em um futuro
breve, todos seremos híbridos, contando com a inteligência
biológica e artificial em nossos corpos, em uma sociedade onde as
máquinas terão ultrapassado a inteligência humana.
Kurzweil
reafirmou sua previsão de que, até 2029, a inteligência
artificial passará o Teste de Turing, o que significa que
alcançará a humana em todas as áreas. E, em 2045, o mundo
atingiria a Singularity, ponto em que a ultrapassaria a
inteligência humana e levaria à transformação da realidade como
conhecemos, com o crescimento exponencial da tecnologia.
"Há dois
milhões de anos, a expansão do córtex cerebral foi decisiva para
desenvolver nossa espécie e nossa cultura. Antes, nenhuma cultura
tinha inventado a música, por exemplo. E até 2030 vamos criar um
córtex na nuvem virtual e inventar novos jeitos de nos comunicarmos
com outros, que ainda nem imaginamos. Tente explicar a música para
um primata, ele não iria compreender", comparou. Apesar das
polêmicas discussões sobre quais serão os impactos de uma
sociedade dominada por robôs, Kurzeweil está confiante de
que esse salto tecnológico será benéfico.
"Sou acusado de
ser um otimista. Mas a inteligência artificial já está no mundo,
nos nossos bolsos, e, se olharmos para a história da humanidade,
esse é o período mais pacífico de todos os tempos. Temos uma
genética preferência pelas más notícias, porque isso é
importante para nossa sobrevivência como espécie. Então, tendemos
a prestar mais atenção nelas. Mas o mundo já está muito melhor",
avaliou, citando a redução da pobreza global e a democratização
da informação digital como indicativos desse avanço.
O
Salto Evolutivo já teve início
O cenário de ficção
científica parece cada vez mais perto - e concreto. Nos próximos
três ou quatro anos, ele acredita que também estaremos imprimindo
nossas roupas com as impressoras em 3D, e vendo os carros voadores
atravessarem nossas cidades. Na área da saúde, microrrobôs
prometem ser capazes de produzir células-tronco, regenerar órgãos
e, assim, curar doenças como câncer e diabetes. "Os médicos
vão estar dentro do nosso corpo", prevê Kurzweil, que já
alcançou 86% de acerto em um conjunto de 147 previsões sobre o
futuro feitas em 1999.
Sobre os céticos
relacionados ao impacto de uma sociedade dominada por robôs, o
engenheiro do Google lembrou que a responsabilidade sobre o uso
dessas máquinas está em nossas mãos. "A questão central é
que a inteligência artificial está aprendendo com os humanos. E
alguns humanos têm preconceitos, as máquinas reproduzem isso. Mas
com as máquinas podemos corrigir", argumentou.
Inteligência
Artificial na área da saúde
O crescimento dessa
tecnologia na área da saúde se deve ao suporte em tempo real e
assertivo de tarefas como coleta e análise de dados dos pacientes,
prevenção de doenças e diagnósticos precoces e orientação
personalizada de tratamentos.
Os benefícios se
estendem também à otimização de processos operacionais como o
registro eletrônico de prontuários médicos, que centraliza e
analisa as informações do paciente, facilitando a tomada de
decisões e diminuindo o tempo na organização desses documentos.
A IA
poderá auxiliar notavelmente nas atividades diárias, tornando os
processos médicos mais rápidos, precisos e técnicos.
Em um futuro
próximo, a Inteligência Artificial poderá avaliar todo o histórico
médico de uma família e identificar se uma pessoa tem predisposição
de desenvolver determinada doença ou não. Além disso, os
diagnósticos serão mais detalhados, ajudando o médico a
identificar doenças precocemente, aumentando as chances de cura e de
reabilitação dos pacientes.
Satisfazendo
um grande desejo humano: podemos ser ouvidos sem ter que escutar.
A Inteligência
Artificial está cada vez mais avançada – e já aprendeu a nos
imitar.
Segundo a psicóloga
israelense Liraz Margalit, quando interagimos com A.I.s
(entidades de inteligência artificial) falantes, nosso cérebro
processa a interação virtual como se fosse real – inclusive
atribuindo características humanas aos chatbots. É a mesma
coisa que fazemos com animais de estimação, uma tendência natural
chamada de “antropomorfismo”.
Um bate papo humano
não é marcado só por palavras. O tom de voz e as expressões
faciais complementa o significado do que está sendo dito.
Já os robôs não
precisam se envolver emocionalmente nem interpretar sinais não
verbais. Simplificamos nossa linguagem ao tratar com eles e os dois
lados se compreendem facilmente.
O cérebro humano
tem a tendência evolutiva de preferir a simplificação no lugar da
complexidade, o que Margalit chama de “preguiça cognitiva”.
Nossas interações cognitivamente simples com os robôs podem,
então, estimular a construção de um novo modelo mental de
interação social.
A grande preocupação
da psicóloga é que se possa substituir relações humanas por
relações com inteligência artificial.
E há muitos motivos
para isso. Em primeiro lugar, falando com a Siri você é capaz de
atingir seu objetivo – seja ele fazer uma pesquisa, saber sobre o
tempo ou simplesmente ter a sensação de companhia – sem custo
nenhum, de forma absolutamente conveniente. Você não precisa ser
educado, sorrir, se envolver nem se colocar no lugar do outro.
Além disso, todas
as relações envolvem jogo de poder. Só que, no caso da
Inteligência Artificial, você é sempre o “chefe”, e
está na posição dominante – afinal, esse companheiro virtual foi
programado exclusivamente para te servir. “A combinação entre
inteligência, lealdade e fidelidade é irresistível à mente
humana”, explica Margalit. Isso alimenta nosso egoísmo
primitivo: podemos ser ouvidos sem ter que escutar.
Aí vai dar para
dizer que “o mundo está ficando chato”: um monte de Sheldons,
mimados e alheios à qualquer sarcasmo, conversando entre si e com as
máquinas, sem nenhuma plateia capaz de entender a ironia da
situação.
Embora muitas
máquinas hoje já estejam preparadas para fazer julgamentos e
avaliações que antes pareciam apenas aptidões geradas a partir da
cognição humana, como o robô Watson, desenvolvido pela IBM e capaz
de compreender ironias, gírias e inúmeras variações de
linguagens, se reconhece que um dos diferenciais humanos mais
significativos ainda é a criatividade. “A fronteira da
Inteligência Artificial é a interação
pessoal, saber como a pessoa está se sentindo.
O professor Cesar
Alexandre de Souza acende uma luz de esperança, parafraseando Pablo
Picasso. Ele disse que “o grande problema dos computadores é
que são ótimos em dar respostas. É justamente isso. A questão não
são só as respostas, mas as perguntas. O ser humano ainda preserva
essa capacidade única de fazer perguntas”, aponta. Para o
professor, é nisso que reside a criatividade e a capacidade de
adaptação humana.
A relação
com tecnologia é inevitável e o ser humano tem de ser capaz de,
criativamente, ir se associando a ela para assegurar seu futuro
profissional. Entretanto, isso não é suficiente. Não basta pensar
em um desenvolvimento pessoal, a sociedade toda deve estar preocupada
com isso. Afinal, inevitavelmente vai impactar na vida de quem não
conseguir se adaptar. Conclui Cesar Alexandre de Souza.
Fonte:
https://super.abril.com.br/comportamento/a-inteligencia-artificial-vai-matar-o-sarcasmo/
https://journals.openedition.org/rccs/9150